As Joias da Família
Podemos definir tradição como o ato de transmitir oralmente, por meio da escrita, de imagens, histórias, lendas, ritos, costumes, valores culturais, morais, espirituais de geração em geração. Quanto carregamos do nosso passado? Estaríamos fadados a repetir ciclicamente versões atualizadas e contextualizadas de nossos anteriores? Quais foram às heranças deixadas pelos nossos? Quais itens deste espólio genuinamente nos pertencem? “As Joias da Família” sugerem uma reflexão acerca do universo familiar e suas complexas relações, tradições e idiossincrasias.
"Acostuma-te à lama que te espera! / O Homem, que, nesta terra miserável, Mora, entre feras, sente inevitável / Necessidade de também ser fera. / Toma um fósforo. Acende teu cigarro! / O beijo, amigo, é a véspera do escarro, / A mão que afaga é a mesma que apedreja. / Se a alguém causa inda pena a tua chaga, / Apedreja essa mão vil que te afaga, / Escarra nessa boca que te beija!"
Versos Íntimos / Augusto dos Anjos
Pessoas da Sala de Jantar
A obra propõe uma reflexão acerca da pauta “costumes” que ocupa grande parte do imaginário e das narrativas de inúmeras lideranças das mais variadas ideologias que ao longo da história foram determinantes para muitas mudanças na sociedade. Faz alusão à música de Caetano Veloso e Gilberto Gil “Panis et Circensis”, gravada em 1968 pelo grupo “Mutantes”, que pode ser interpretada como uma crítica aos valores sociais de uma época na qual transformações aspiradas pelo novo contrapunham-se a um status quo representado pela estagnação, alienação e massificação.
"Eu quis cantar/Minha canção iluminada de sol/Soltei os panos/Sobre os mastros no ar/Soltei os tigres e leões nos quintais/Mas as pessoas da sala de jantar/São ocupadas em nascer e morrer.
Mandei fazer/De puro aço luminoso punhal/Para matar o meu amor e matei/Às 5 horas na Avenida Central/Mas as pessoas da sala de jantar/São ocupadas em nascer e morrer.
Mandei plantar/Folhas de sonho no jardim do solar/As folhas sabem procurar pelo sol/E as raízes, procurar, procurar/Mas as pessoas da sala de jantar/Essas pessoas da sala de jantar/São as pessoas da sala de jantar/Mas as pessoas da sala de jantar/São ocupadas em nascer e morrer."
Panis Et Circenses - Caetano Veloso e Gilberto Gil
Os Estágios do Eu
O que proponho com estes autorretratos são possíveis leituras sobre minha própria psique. A tensão existente entre o ID, o Ego e o Superego se apresenta neste tríptico em três alegorias: Nó Górdio, Porta do Inferno e Psicostasia .
NÓ GÓRDIO:
A lenda conta que o rei da Frígia morreu sem deixar herdeiros e ao ser consultado, o oráculo anunciou que seu sucessor chegaria à cidade em um carro de bois. Eis que surge a figura de Górdio, um camponês que realizou o que foi previsto pela profecia. Para não se esquecer de seu passado humilde ele amarrou a carroça no templo de Zeus com um enorme nó impossível de desatar. Quando morreu, seu filho Midas assumiu o trono, mas também não possuía herdeiros. Então o oráculo foi ouvido novamente e fez a previsão que quem desatasse o nó de Górdio dominaria não só a Frígia, mas todo o mundo. Quinhentos anos depois, Alexandre, o Grande soube da lenda ao passar pela região, foi até o templo de Zeus e diante do nó concluiu que não precisava desfazê-lo. Desembainhou sua espada e cortou o nó.
PORTA DO INFERNO:
Identificada em 1971 por engenheiros da ex-União Soviética como um possível local para extração de petróleo, é um campo de gás natural na região do Turcomenistão. Em dado momento da perfuração, o chão sob a plataforma cedeu abrindo uma grande cratera e lançando enormes quantidades de gás metano na atmosfera. Temendo a liberação de mais gases nocivos, os cientistas consideraram que seria mais seguro e barato queimá-los do que extraí-los do subsolo. Desde então, a enorme cratera no meio do deserto de Caracum arde em chamas sem previsão de que o fogo se extinga.
PSICOSTASIA:
Segundo o Livro dos Mortos, na crença do Egito antigo, Psicostasia é o momento em que o coração de alguém que morreu é julgado por suas ações em vida, diante de um tribunal que constata se a alma é digna do paraíso.
Deus Ex Machina
O termo Deus ex machina surgiu no teatro grego, quando muitas peças terminavam com um ser divino que içado por uma espécie de guindaste surgia para resolver impasses no roteiro da trama encenada.
Pode ser que a complexidade do mundo e a fragilidade da existência nos faça almejar por salvadores da pátria e soluções milagrosas para nossos problemas, ou talvez seja apenas preguiça, mesmo. Mas, não seria a tentativa de justificar nossos vícios e virtudes depositando quase tudo na conta de uma suposta natureza humana, também uma solução Deus ex machina?
O quanto de nossas ideologias, métricas com relação ao que entendemos por sucesso e fracasso, com a estética, ou mesmo no que se diz respeito a concepções éticas, morais e religiosas são fetichizadas por soluções que de tão mágicas e simplistas sequer fazem sentido?